terça-feira, 12 de maio de 2015

Seis e quarenta e cinco


Um silêncio quase absoluto se não fosse pelo barulho da chuva que cai sem pressa lá fora. A luz que entra pelas frestas da janela ainda é fraca. As paredes devem ser pintadas de branco por algum motivo, motivo esse que parece não me agradar já que loto as paredes com fotos e recortes coloridos. Algumas peças de roupa jogadas no chão me trazem a lembrança de como elas acabaram onde estão. A lembrança me faz sentir um arrepio. 
Me viro na cama e vejo ele. Dormindo com sua beleza e tranquilidade imperturbáveis. Lindo. Mas apenas mais uma imagem do cenário desse quarto. Olho atentamente para o seu rosto: os olhos fechados formando uma linha de cílios perfeitos, o nariz bem desenhado parecendo até o resultado de uma plástica bem feita, a boca rosada tão bonita e convidativa, os cabelos bagunçados de um jeito atraente. Realmente lindo. Mas continua sendo apenas um pontinho preto no meio de milhares de pontinhos coloridos. Lembro de como era no começo, ele era tudo pra mim e eu só queria ser tudo pra ele. Ele queria que eu fosse segura, divertida e levemente misteriosa. Ele sempre soube que uma mulher assim seria tudo pra ele. Ele sempre soube que era essa mulher que ele queria. Ele sempre soube que se eu amava ele do jeito que falava que amava, eu acabaria sendo essa mulher um dia. 
Ai eu, no meu amor cego e viciante, me esforcei. Aprendi a ser menos insegura, aprendi a controlar meu humor para ser mais divertida e menos bobalhona, criei um ar misterioso (mesmo sem mistérios). A relação perfeita estava acontecendo. 
Estava. Até eu acordar essa manhã com uma estranha conclusão. A segurança que eu aprendi a ter em mim mesma fez com que as pessoas também confiassem mais em mim, a troca da bobalhona pela divertida fez as pessoas se aproximarem mais, o ar misterioso chamou a atenção dos homens. Homens lindos, como ele. 
Ele fez eu me tornar uma pessoa que eu gosto de ser. Ele me ama. Ele sempre soube que amaria uma mulher assim. O que ele nunca soube é que essa mulher não precisaria dele. Eu agora tenho a minha segurança, meu bom humor e meu jeito atraente. 
Ele era tudo, mas agora ele não passa de um cursinho intensivo de criação de personalidade ideal que está prestes a chegar ao fim do ano letivo. Eu só quis ser boa, boa o suficiente pra ele. Mas agora eu sou tão boa, que sou boa demais pra ele.

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